“Quando entendemos as necessidades que motivam nossos comportamentos quanto dos outros não temos inimigos” (Marshall Rosenberg)
*Simone Carrasqueira
A expressão Comunicação Não Violenta (conhecida pela sigla CNV) pode soar estranho… como algo se define pelo “não”?
Cunhada pelo psicólogo estadunidense Marshall Rosemberg, a expressão é inspirada na palavra em sânscrito ahinsa que quer dizer “não violência” ou poder desencadeado quando a vontade de ferir a outra pessoa é superada. Alguns praticantes de ioga terão ouvido falar de ahinsa como respeito aos limites do próprio corpo. Assim como na prática da ioga é necessário se conhecer e reconhecer esses limites, quando o assunto é relacionamento intra e interpessoal, é necessário um mergulho em si e perceber os próprios contornos e bordas. Toda vez que utilizamos a CNV para ouvir necessidades mais profundas, nossas e as das outras pessoas, percebemos os relacionamentos por um novo enfoque.
Porém, antes de dizer aquilo que eu entendo por comunicação não violenta, eu gostaria de dizer o que ela não é. CNV não é uma forma meiga de falar para agradar as outras pessoas. Também não se pretende ser um jeito positivado de ver a vida e minimizar as dores do mundo. Nem tão pouco é um jeito de pacificar dinâmicas anestesiando aquilo que está sob tensão. A CNV não é, portanto, um caminho para se chegar ao mesmo lugar (se antes com um tanque de guerra, agora com um fusquinha rosa carregado de flores).
O que a CNV quer é nos ajudar a apoiar a vida em todas as suas dinâmicas: intra (honestidade) e interpessoais (empatia). É a arte de interromper o discurso vigente para propor algo que se coadune melhor com o cuidado com a vida.
Apoiar a vida está relacionado aqui a trazer a verdade, posto que, como já dizia Martin Luther King, “no momento que a gente deixa de falar a verdade sobre coisas que nos importam a gente começa a morrer.” Muitas vezes deixamos de dizer a verdade, pois nos sentimos coagidos a agir de determinado jeito. Não agimos com base numa deliberação pessoal e consciente, mas pela ausência (às vezes, suposta) de qualquer outra possibilidade de escolha. E, como já dizia Gandhi, um revolucionário que liderou a campanha bem-sucedida para a independência da Índia com base na não violência, “o aposto à não violência é a submissão ao medo”.
Presumimos que não somos violentos porque somos ignorantes em relação à própria violência. Além disso, a imagem de violência normalmente está associada a brigar, matar, espancar ou guerrear. Ocorre que toda vez que agimos com medo ou movidos por um sentimento de culpa, estamos num sistema de dominação no qual a violência (de qualquer natureza) é o alicerce.
Ter clareza sobre o que é e o que não é comunicação não violenta é uma lição importante porque eu tendo a considerar tudo o que eu faço de forma não violenta como o “certo”. Desta forma fica mais fácil me livrar da culpa. Ocorre que muitas vezes a ideia de não violência é usada de forma violenta para manter o status quo. Deslegitima-se uma forma de buscar as mudanças em prol de uma forma mais “fofa” que no final não muda nada e perpetua-se, assim, uma realidade extremamente violenta.
Com quatro componentes, quais sejam, observação, necessidades, sentimentos e pedidos, metodologicamente a CNV tem uma estrutura simples, mas transformadora. Ela nos permite assumir nossas responsabilidades pelos próprios sentimentos, praticarmos uma comunicação mais compassiva e estabelecermos processos de negociação que, para além da lógica do “certo” ou “errado”, nos permita a criação de soluções de benefício mútuo.
A CNV não quer amenizar o conflito, mas acionar o poder transformador do conflito. Trata-se, portanto, de uma forma de ver o mundo que me leva ao acordo, a partir de uma coconstrução de sentido pelas e para as pessoas envolvidas.
Se você ainda não conhece a CNV, te convido a fazê-lo, e, sobretudo a trazê-la para sua vida como uma prática de autoconhecimento e também de nutrição de relacionamentos francos e empáticos.

*Especialista em gestão de conflitos e gestão de mudança.
Advogada colaborativa, desde 2015 é consultora de processos, atuando com educação corporativa, transformação cultural e gestão de mudança.
Coach associada à International Coach Federation. facilitadora de diálogos pela Mediare, facilitadora de Thinking Environment pela Time To Think, Change Practitioner pela Prosci, palestrante e escritora, além da CNV, Simone utiliza também a Antroposofia e a Teoria U para promover desenvolvimento e mudanças, trazendo o ser humano para a centralidade dos processos.
Fantástico esse texto! Não conhecia essa forma de mudar o comportamento …Parabéns pelo conteúdo!